Como confundir esforço e resultado criou paradigmas sociais falhos

Há basicamente três maneiras de medir uma realização humana, um trabalho realizado. Essas diferentes maneiras são aplicadas aos diferentes modos que existem de se fazer um contrato. As três formas de medir são: por disponibilidade, por esforço ou por resultado.

A primeira delas, por disponibilidade, é a mais simples de se medir. A medida é tomada pelo tempo que os recursos (contratados) estiverem disponíveis para o trabalho.

A segunda, por esforço, é dada pela quantidade de trabalho realizado na execução do serviço ou produção do bem. Pode-se medir, por exemplo, o tempo efetivamente gasto dos recursos na realização do serviço (excluindo-se o tempo parado), ou o produto do esforço, como por exemplo a área de alvenaria levantada, no caso de uma construção, a quantidade de intervenções no caso de serviços de manutenção, ou a metragem de fio transformada em tecido, no caso de uma indústria têxtil. O tempo efetivamente gasto é uma medida de esforço mais próxima da disponibilidade, já o produto do esforço é mais próximo do resultado.

A terceira forma de se medir, por resultado (ou performance), é verificar a aderência do produto do trabalho (bem ou serviço) ao que é realmente almejado. No caso de um serviço de manutenção de equipamento, por exemplo, seria verificar o quanto de disponibilidade[1] e de confiabilidade[2] do equipamento se conseguiu após o serviço. Numa construção seria, por exemplo, avaliar o atendimento aos prazos e a qualidade da obra. O resultado é o tamanho do impacto, a diferença que o produto do trabalho faz.

CONTRATOS FORMAIS

Em contratos medidos por disponibilidade é onde há o menor alinhamento de interesses entre as partes (contratado e contratante). O contratado agirá aqui pela lei do mínimo esforço, simplesmente porque quanto menos esforço fizer ele terá mais lucro. Experimente, ao contratar um pedreiro para uma reforma na sua casa, pagá-lo por diária de serviço que você entenderá o que quero dizer.

Já em contratos pagos por esforço, o alinhamento de interesses fica um pouco melhor. O contratado não pode mais ficar simplesmente disponível sem realizar trabalho. Contudo, há nesta modalidade ainda dois problemas, dois desalinhamentos de interesses: a realização de serviço não útil e o descaso com a qualidade. O primeiro desses problemas pode ser eliminado pela medida de esforço através do produto do esforço (normalmente quando o serviço realizado não é útil não gera produto mensurável), mas não o segundo. Num contrato de serviços de manutenção isso é fácil de ser visto: a qualidade do trabalho não é interesse da contratada, pois diminuirá o esforço no futuro (com novas manutenções) e consequentemente o seu faturamento.

Em contratos pagos por resultado são colocados indicadores de performance que, se bem escolhidos, representam o fim útil ao contratante do produto do trabalho da contratada. O faturamento da contratada depende do atingimento desses indicadores. Neste caso o alinhamento de interesses é completo, o contratado ganha mais tanto quanto atende ao que o contratante quer.

ECONOMIA

Neste contexto, encontramos em Economia a “Teoria do Valor Trabalho”, que reza que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade do trabalho necessário para produzi-la. Sobre este assunto disse Marx:

Mercadorias que contêm as mesmas quantidades de trabalho ou que podem ser produzidas no mesmo tempo de trabalho, têm, portanto, a mesma grandeza de valor. O valor de uma mercadoria está para o valor de cada uma das outras mercadorias assim como o tempo de trabalho necessário para a produção de uma está para o tempo de trabalho necessário para a produção de outra”.

A partir da Teoria do Valor Trabalho, Karl Marx encontrou a “mais-valia”, seu bastião da crítica contra o então incipiente sistema capitalista. A mais-valia seria a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador. Dizia ele mais ou menos o seguinte (em adaptação para o contexto atual): o trabalhador trabalha oito horas por dia, em quatro horas ele produz o mesmo valor de seu salário, nas outras quatro horas ele cria valor, do qual o patrão capitalista se apropria. Concluiu então que o Capital multiplica-se pela exploração do trabalho.

Ora, que o patrão está exposto aos riscos do mercado, inclusive do produto não ser aceito e que geralmente o empregado recebe seu salário antes do produto poder virar lucro na mão do patrão já se sabe que ele esqueceu de notar. São aspectos mais comportamentais que a sua visão estrutural das coisas não conseguiu perceber. O que quero tratar agora é da Teoria do Valor Trabalho. Não é difícil perceber que ela confunde Esforço com Resultado. O Valor (ou valor-de-uso) de uma mercadoria é o resultado, o impacto que ela causa, aos olhos do usuário final.

Uma aproximação matemática para a relação entre Resultado e Esforço seria:

Resultado = Esforço * eficiência * eficácia + fatores diversos sobre os quais se tem pouco ou nenhum controle.

A eficiência está relacionada com os custos envolvidos. Quanto menos recursos (tempo, mão-de-obra, materiais) forem gastos no processo maior será a eficiência. Grosso modo, eficiência é fazer bem. A eficácia é, dado um objetivo, fazer coisas que façam o trabalho avançar em direção ao objetivo. É o grau de atingimento do objetivo. Grosso modo, eficácia é fazer certo. Os fatores diversos sobre os quais se tem pouco ou nenhum controle é o que podemos chamar inicialmente de “sorte”, mas que em maior ou menor grau podem ser avaliados e então tentar adaptar-se a eles.

Portanto muito esforço com pouca eficiência ou pouca eficácia não levará a bons resultados. E ainda mesmo trabalhos realizados com muita eficiência e eficácia podem ter pouco valor por fatores diversos que podem fazer com que a mercadoria tenha pouco impacto, faça pouca diferença. Mais além, bens sem nenhum trabalho agregado podem ter valor, pois têm outros fatores. O Resultado é exatamente a Efetividade!

Em sua obra principal “O Capital”, Marx explica que o trabalho que determina o valor de uma mercadoria é o “trabalho social médio”, trabalho este realizado em condições regulares e por uma força de trabalho com condições médias de habilidade. Ora, o que ele fez com isso foi aproximar um pouco mais o esforço do resultado através da consideração da eficiência média. A fórmula ficaria o seguinte:

Resultado = Esforço de eficiência média * eficácia + fatores diversos sobre os quais não se tem controle.

Continua assim ignorando a eficácia e os fatores diversos. Um exemplo simples do fracasso da Teoria do Valor Trabalho é pensar no trabalho de um homem cavando um buraco no meio do chão do lugar onde você está agora por duas horas. O valor desse buraco é o valor das duas horas de trabalho do homem? Claro que não. Já uma ilha virgem cheia de recursos naturais não valeria nada, pois não tem trabalho agregado. O que está errado com essa teoria? O buraco não vale nada ou tem valor negativo porque não causa nenhum impacto ou causa até um impacto negativo. Olhando para dentro da fórmula: o buraco não tem valor, ou tem valor negativo, porque o trabalho não teve eficácia (qualquer que seja o objetivo pretendido) ou teve até eficácia negativa (ficou mais longe do objetivo pretendido).

A crítica marxista do sistema capitalista é falha pois está sustentada numa teoria falha.

Vejamos agora outra teoria sobre valor de uma mercadoria. A Teoria da Utilidade Marginal, demonstrada por Carl Menger, reza que o valor de uma mercadoria é dado pela utilidade de um bem adicional dessa mercadoria. O produto vale tanto quanto o impacto que ele causa. A teoria vai mais além: a utilidade marginal é decrescente, quanto mais produtos existem menos útil o próximo se torna. É essa lei que explica, por exemplo, a razão de diamantes valerem mais que água.

A Teoria da Utilidade Marginal considera que o valor-de-uso é o resultado, a efetividade da mercadoria, subjetivos ao usuário final, o consumidor. A teoria da utilidade marginal é a que representa o alinhamento de interesses no contrato social tácito entre produtor e consumidor. A Teoria da Utilidade Marginal é a única verdadeiramente representativa do Valor, porque, apesar de ser uma teoria que não possui a pretensão de prever matematicamente o valor-de-uso, é a única que considera o resultado daquilo que é produzido e não o esforço envolvido na produção.

O Capital agora, sabe-se portanto, cresce apenas ao atender aos interesses dos usuários finais dos seus produtos. O Capitalista, como escrito por Mises, não é o “Rei dos carros”, o “Rei dos Móveis” ou o “Rei dos Colchões”, ele está mais para o “Servo dos carros”, o “Servo dos móveis” e o “Servo dos Colchões”. O seu chefe, em última análise, é seu potencial cliente. E para ficar rico o capitalista precisa atender às massas.

Apesar disto tudo, há ainda uma forte crença social difundida – que muitas vezes parece assumir o caráter de doutrina – de que o capitalismo é a exploração dos trabalhadores. Além disto há outros paradigmas sociais falhos criados por inadvertência ou pela confusão entre esforço e resultado, como o de que um mundo justo seria o que recompensasse igualmente os esforços iguais.

[1] Percentual do tempo em que o equipamento fica funcional em relação ao tempo total.

[2] Relacionado à probabilidade de um equipamento desempenhar sua função sem apresentar falhas. Quanto menor a taxa de falhas, maior a confiabilidade.

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